domingo, 9 de agosto de 2020

Ribalta Escura

Minha ribalta apagada
O nariz ao chão
O sapato largo na calçada
Enfim um apagão

Das vaias da platéia
Ao furor que nasce puro
De um coro de coração duro
Que aguarda um corifeu sem ideia

Há um só desencanto na voz
Um vislumbre de todo o fim
Sem palco, o que não há em mim
Cala o mímico dentro de nós

Escuro, já silenciosa a casa é muda
Jaz no peito o texto da última peça
E o coro que anda a cobrar com pressa
O último ato da dor profunda.

Mas já não há uma ribalta acesa
Sem palhaço ou ator, só incerteza
Sobre o medo que nos prega a verdade
No último leito, sem vaidade

E o mímico, antes tão falante
Segue mudo, sem corpo, distante
Preso entre o amar e o sofrer
Na ribalta escura a se perder.